Decisão de Eduardo Paes provoca revolta entre Religiões de Matriz Africana
- Marco Speziali
- 2 de abr.
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Por Marco Speziali
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, enfrenta forte repúdio após revogar, através do Decreto n. 55.824, de 25 de março de 2025, a Resolução SMACV/SMS n. 2, de 18 de março de 2025. A medida, que havia sido comemorada por religiões de matriz africana e povos indígenas, garantia o reconhecimento das práticas ancestrais e tradicionais como parte dos atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS) na capital fluminense. Para lideranças religiosas e especialistas, a decisão representa um retrocesso histórico e está diretamente ligada ao racismo estrutural e à intolerância religiosa.
"Um ato covarde e excludente", diz Waguinho Macumba
Waguinho Macumba, vice-presidente do Instituto Internacional Carta Magna da Umbanda, foi uma das vozes mais contundentes contra a decisão do prefeito. Em entrevista exclusiva, ele afirmou que a revogação é um "ato covarde" que desrespeita os saberes ancestrais e ignora a luta histórica dos povos de Axé.
"A Umbanda, o Candomblé e outras tradições afro-indígenas são pilares da cultura brasileira. Nossos conhecimentos sobre ervas medicinais, rituais de cura e conexão espiritual salvaram vidas durante séculos. Reconhecer isso no SUS não era apenas um avanço para nós, mas para toda a sociedade. Revogar essa resolução é um tapa na cara de quem sempre resistiu à marginalização e à perseguição", declarou Waguinho.
Ele lembrou ainda que a decisão de Paes fortalece grupos conservadores e ultradireitistas que negam a pluralidade cultural e epistemológica do Brasil. "Essa revogação não é apenas política; é ideológica. Ela reforça a supremacia eurocêntrica e perpetua o racismo religioso que já nos massacra há séculos", acrescentou.
Saberes ancestrais: uma contribuição reconhecida pela ciência
A importância das práticas ancestrais no campo da saúde tem sido amplamente documentada em estudos científicos. Um relatório publicado em 2023 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) destacou que as medicinas tradicionais desempenham um papel crucial no acesso à saúde em comunidades vulneráveis, especialmente nas áreas de promoção do bem-estar mental, tratamento de doenças crônicas e uso sustentável de recursos naturais.
No Brasil, pesquisadores como Dra. Lélia Gonzalez, antropóloga e ativista negra, já apontavam décadas atrás que os saberes afro-indígenas são essenciais para compreender a diversidade cultural e promover políticas públicas inclusivas. "Desconsiderar esses saberes é ignorar a própria história do nosso país", disse a cientista social Maria Beatriz Nascimento em seus estudos sobre quilombos e resistência cultural.
Para especialistas, a revogação da resolução não apenas deslegitima essas contribuições, mas também fragiliza a saúde pública ao excluir abordagens que poderiam complementar o sistema biomédico ocidental. "É como se o prefeito estivesse dizendo que apenas uma visão de mundo é válida, enquanto milhões de brasileiros dependem de outras formas de cuidado", afirmou a antropóloga Ana Flávia Magalhães Pinto, professora da Universidade de Brasília (UnB).
Movimentos sociais e religiosos convocam mobilização
Diante da decisão, entidades ligadas às religiões de matriz africana e movimentos sociais estão convocando uma mobilização nacional para reverter o retrocesso. O Conselho Nacional de Tradições Afro-Brasileiras (CONTAB), em parceria com organizações indígenas, lançou uma campanha intitulada "Pela Vida e pela Cura: Não à Revogação!" . A iniciativa inclui abaixo-assinados, manifestações públicas e ações judiciais.
"Essa luta não é só nossa. É de todos que acreditam em um Brasil plural e democrático. Não vamos aceitar que nossos saberes sejam apagados novamente", afirmou Mãe Beata de Iemanjá, sacerdotisa e ativista de longa data.
Além disso, juristas especializados em direitos humanos e liberdade religiosa estão avaliando a possibilidade de entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o advogado João Pedro Gomes, membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-RJ, a revogação viola princípios constitucionais como igualdade, liberdade religiosa e direito à saúde.
Prefeitura Justifica Decisão, mas críticas persistem
Em nota oficial, a Prefeitura do Rio de Janeiro afirmou que a revogação foi motivada por "limitações orçamentárias" e pela necessidade de "alinhamento com normativas federais". No entanto, especialistas contestam essa justificativa, argumentando que a implementação das práticas ancestrais no SUS exigiria investimentos mínimos, uma vez que muitas dessas terapias utilizam recursos naturais e saberes já existentes nas comunidades.
"Essa desculpa é vazia. O problema aqui não é financeiro, mas político e ideológico. A prefeitura está escolhendo priorizar interesses alinhados a grupos conservadores em detrimento da população que mais precisa desses serviços", criticou o sociólogo Gilberto Leite, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFRJ.
Resistir e Lutar
A revogação da Resolução SMACV/SMS n. 2/2025 expõe as tensões entre diferentes concepções de saúde, cultura e política no Brasil. Para os povos de Axé e indígenas, trata-se de mais um capítulo na luta contra o racismo estrutural e a intolerância religiosa. Como afirmou Waguinho Macumba, "resistir é nossa herança, e lutar é nossa obrigação".
Agora, cabe à sociedade civil, aos movimentos sociais e às instituições democráticas unirem forças para reverter essa decisão e garantir que o SUS seja verdadeiramente universal, inclusivo e respeitoso com todas as formas de saber e cura.
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